Arbitragem: Uma Alternativa Célere à Solução de Conflitos
09/11/2021E-book – Governança, Compliace e Cidadania 2ª edição
09/11/2021por Henrique von Ancken Erdmann Amoroso
O autor apresenta aos leitores as medidas jurídicas cabíveis em caso de fraude patrimonial no casamento e na união estável, com o intuito de assegurar uma partilha justa ao cônjuge prejudicado.
A importância da instituição "família" fez com que o constituinte originário estabelecesse na Carta Magna, no artigo 226, caput, "A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado".
De fato, o homem é um ser gregário por natureza, sempre em busca de uma relação afetiva duradoura com fins de coabitação e, quase sempre, gerar descendentes, os quais representam os frutos de um sentimento que o nosso querido "poetinha" já dizia, por outras palavras, não ser imortal, posto que é chama, mas infinito em sua duração.
É certo também que o casal recém-formado, seja pelo casamento ou união estável, busca a sua evolução patrimonial. Assim, o aumento do acervo patrimonial de uma entidade familiar pode se dar com o trabalho remunerado de ambos ou de apenas um deles, competindo ao outro a administração do lar e cuidados com a eventual prole.
Mas, quando a mágoa e o ressentimento surgem entre os cônjuges e companheiros, desperta na mente do "produtor de riqueza" a vontade de prejudicar o outro no bolso. Surge, então, a fraude patrimonial.
Infelizmente, a fraude é um fato social que existe desde os tempos mais remotos. Ela é endêmica. Trata-se da prática de um subterfúgio para alcançar um fim ilícito. E, nas relações familiares, sempre que apenas um dos cônjuges contribui para o orçamento familiar, enquanto o outro cuida dos afazeres domésticos, a incidência da fraude patrimonial é ainda maior.
Gladston Mamede e Eduarda Cotta Mamede, ao estudarem o tema, afirmaram que "É assustadoramente comum ver-se que a partilha dos bens é maculada pela iniciativa de um dos cônjuges ou conviventes que, preparando-se com antecedência para a separação, criou mecanismos para fraudar a partilha dos bens".¹
Como exemplo de fraude, podemos citar a hipótese, muito comum, de um empresário casado, bem sucedido nos negócios, mas cujo casamento ou união estável está em vias de terminar. Para prejudicar a mulher, quando da futura partilha, o empresário, antes de se separar, omite e manipula transações empresariais nos livros contábeis, dissipa os bens do casal, ora transferindo para a pessoa jurídica que administra, ora para "laranjas", que firmam contratos simulados com o marido, apenas para dar uma impressão de verdadeiro a um negócio fantasioso, assim como transfere a própria empresa para uma terceira pessoa (via de regra, um familiar ou amigo íntimo), passando a ser um empregado registrado, apenas para não transferir as quotas da empresa à sua esposa.
Durante o II Congresso Paulista de Direito de Família e Sucessões, realizado em 2008 pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM, Rolf Madaleno, em sua palestra sobre "Fraude na Partilha de Bens: como detectar e como resolver", apresentou uma série de indagações para detectar a ocorrência de atos simulados e fraudulentos. São as seguintes:
- Por que a pessoa, às vésperas da separação, vende os bens que mais lhe dão rendimentos?
- Por que vendeu justamente às vésperas da separação?
- Por que vendeu se não estava endividado?
- Por que vendeu se não precisava de dinheiro?
- O que levou a pessoa a vender os seus melhores bens?
- Quem comprou os bens tinha realmente condição para comprá-los?
- Quem comprou tinha vínculo de amizade ou parentesco com o vendedor?
- O instrumento de contrato é particular ("gaveta")?
- O contrato foi celebrado em tabelionato distante de onde a pessoa vive?
- O parcelamento do preço foi a longo prazo?
O motivo das perguntas que o palestrante propôs é que, para reconhecer a existência da fraude, devem-se reconhecer os seus indícios. A soma dos indícios leva à presunção. E, na hierarquia das provas, prevista no art. 212, CC (clique aqui), a presunção vem antes até da perícia. Ou seja, a presunção, que vem a ser a soma dos indicativos, pode até dispensar uma perícia para constatar a fraude.
Ao ocorrer a fraude e a consequente desigualdade patrimonial, a parte mais fraca do casamento ou da união estável precisa ser processualmente protegida pelos mecanismos legais, que busquem eliminar os nefastos resultados de desequilíbrio econômico e financeiro na divisão dos bens.
Aliás, mais uma vez, Rolf Madaleno ensina com proficiência que "É necessário ir adiante das falsas fronteiras físicas ou jurídicas da separação, já que a fraude patrimonial se instala em época muito anterior à real ruptura. Aconselhável ao legislador familista aplicar o princípio da revocatória falencial, retroagindo no tempo para delimitar o período suspeito da fraude sobre os bens conjugais".²
A sugestão de Rolf Madaleno para adoção do princípio da ação revocatória falencial (ou da ação pauliana no âmbito civil), no âmbito do Direito de Família, é pertinente e decorre do simples fato de que o cônjuge economicamente hipossuficiente, vítima da fraude patrimonial, tem dificuldade em conseguir comprovar quando as práticas negociais fraudulentas tiveram início. Não raro, o ardil se inicia muitos anos antes do cônjuge inocente começar a pensar a respeito.
Em primeiro lugar, faz-se necessário o ajuizamento de ações cautelares, previstas no Código de Processo Civil (clique aqui), com o objetivo de assegurar uma futura partilha dos bens quando da separação.
O arrolamento de bens, conforme preleciona o ínclito des. Benedito Silvério Ribeiro "é utilizado como medida conservativa dos bens do casal, a fim de ser evitada a dilapidação ou dissipação pelo outro cônjuge de bens de fácil liquidação, cuja venda independe de vênia conjugal, como veículos ou jóias"³.
Aliás, sobre o tema, o egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já decidiu que "considerando que a partilha dos bens do casal ainda não foi realizada, é manifesto o interesse da Apelante de arrolar os bens adquiridos na constância da união conjugal, a fim de resguardar a eficácia da decisão a ser proferida na Ação de Separação Judicial c.c. Partilha de Bens. Necessária a providência, porque insiste o Apelado que todos os bens sobre os quais se pretende o arrolamento lhe pertencem exclusivamente, aduzindo que foram adquiridos por sub-rogação, ou pertencem a terceiros estranhos à lide ou às suas empresas"⁴.
O sequestro de bens, por sua vez, é medida cautelar preparatória ou incidental em que se busca a preservação da existência de certo e determinado bem, objeto do litígio.
Mas, como o objetivo do cônjuge prejudicado pela fraude é aferir o real patrimônio envolvido, a ação cautelar de arrolamento de bens mostra-se a medida processual mais adequada.
De qualquer modo, é possível postular medida liminar para bloqueio e conservação dos bens, trancamento registral dos bens imóveis, aeronaves, embarcações, contas bancárias, assim como expedição de ofício à Receita Federal, etc.
Aliás, caso o fraudador seja empresário, é possível também postular o bloqueio de quotas sociais da empresa e ajuizar uma demanda judicial postulando uma auditoria externa patrimonial e contábil sobre a pessoa jurídica, a fim de apurar a ocorrência de fraude.
Para demonstrar a fraude patrimonial e anular as vendas, o advogado deve, em outras ações de conhecimento, apresentar as provas e os indícios que as comprovem, tais como a venda dos bens mais rentáveis, às vésperas da separação, sem haver qualquer dívida para ser paga, como exemplo.
E todos os envolvidos no negócio fraudulento devem figurar no polo passivo da demanda, sob pena de nulidade, conforme já decidiu a 4ª turma do Colendo Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 116.879-RS (clique aqui), rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, j. 27.9.2005, transcrevendo-se o seguinte trecho da ementa:
"CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. INGRESSO DE TERCEIRO PREJUDICADO. PREQUESTIONAMENTO. DESNECESSIDADE. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. AÇÃO DE NULIDADE E RESCISÃO DO CONTRATO. ACUSAÇÃO FEITA PELA AUTORA AO EX-MARIDO, DE FRAUDE NA ALIENAÇÃO. RECONHECIMENTO PELO TRIBUNAL ESTADUAL. DEMANDA MOVIDA EXCLUSIVAMENTE CONTRA OS ADQUIRENTES DO BEM. LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO DO EX-ESPOSO CARACTERIZADO. CPC, ARTS. 499 E 47, PARÁGRAFO ÚNICO. NULIDADE PROCESSUAL DECRETADA.
(...)
Proposta ação pela autora objetivando a decretação da nulidade da escritura de compra e venda de imóvel alienado por seu ex-esposo, este, que também figurou no contrato como co-vendedor, deve integrar obrigatoriamente a demanda, como litisconsorte passivo necessário, ao teor do art. 47 e seu parágrafo único, do CPC, sob pena de ineficácia da decisão, que deve ser uniforme para todas as partes envolvidas na avença a ser desconstituída."
Portanto, com a adoção das providências acima destacadas, será possível combater a fraude patrimonial e, assim, assegurar uma partilha justa ao cônjuge prejudicado.
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¹ In "Separação, Divórcio e Fraude na Partilha de Bens - Simulações Empresariais e societárias.", Ed. Atlas, São Paulo, 2010, pág. 10.
² In: Regime de Bens Entre Os Cônjuges. Apud: PEREIRA, Rodrigo da Cunha, DIAS, Maria Berenice (Coordenadores). Direito de família e o Novo Código Civil de 2002. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 173.
³ In "Cautelares em Família e Sucessões", Ed. Saraiva, São Paulo, 2009, pág. 107.
⁴ TJ/SP - 7ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível nº 990.10.443308-8-Americana, rel. Des. Luiz Antonio Costa.
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